O primeiro dia de desfiles, na quarta-feira, 16 de março, foi dedicado exclusivamente ao projeto Bloom, no âmbito do qual jovens talentos portugueses e novos designers africanos apesentaram as suas criações. No dia seguinte, 17, ao início da tarde, antiga bloomer Carolina Sobral revelou o talento e potencial que motivaram a sua ascensão da plataforma Bloom à passerelle principal, na última edição do evento.
Nessa mesma tarde, deu-se a estreia da NOPIN, um projeto industrial que nasceu em 2006, em Gondomar. Trata-se de uma marca com atelier e confeção próprias, que segue os princípios da moda sustentável e inclusiva (trabalha com uma rede de costureiras locais) e privilegia o trabalho manual com tecidos de qualidade. O design está a cargo da jovem criadora Catarina Pinto, licenciada na ESAD, finalista dos concursos Denim Young Contest (Troficolor) e Novos Criadores PFN (Selectiva Moda) e uma das vencedoras do projeto CRIADOR ESAD@THE.
O programa do segundo dia de desfiles prosseguiu com o irreverente menswear de Estelita Mendonça, as sempre elegantes propostas de Katty Xiomara e a sofisticação urbana de David Catalán. Chama-se “Lokura” a nova coleção da designer luso-venezuelana, um trocadilho com o espanhol “Locura” (loucura em português) e “lo cura” (o que cura e restaura). Trata-se, diz Katty Xiomara, de «uma coleção pintada de incoerência, descrevendo todos os universos que a mente enclausura». Nas cores predominam o cru, o branco, o lilás e o castanho, enquanto as formas são mais ou menos lúcidas, mais ou menos largas, mais ou menos esburacadas ou almofadadas, construídas com atilhos, apanhados e franzidos e exprimindo padrões confusos e rabiscados.
Depois da participação no calendário oficial da Semana da Moda Masculina de Milão, em janeiro último, com o apoio do Portugal Fashion, David Catalán regressou à passerelle para apresentar uma coleção inspirada nos «uniformes escolares britânicos dos anos 60 e 70» e na «versatilidade e conforto do dress code inglês». Para a próxima estação fria, o designer espanhol sediado no Porto apostou na desconstrução do belo, criando roupas mais utilitárias e trazendo um pouco de rudez com o uso do denim.
O terceiro dia de desfiles arrancou com mais um caso de transição da plataforma Bloom para a passerelle principal. A marca slow-fashion UNFLOWER, criada em 2018 pelas jovens designers Ana Sousa e Joana Braga, voltou a figurar no calendário principal do Portugal Fashion, depois da estreia na última edição do evento. Desta feita, foi apresentada a coleção “Derreter em flor”, na qual «camadas sóbrias em cor, sobrepostas sobre o corpo – pelo, mélton, denims pesados –, revelam aos poucos as fragilidades e transparências – sedas, malha rib, algodões – muitas vezes enaltecidas pela cor forte».
Regressada de Paris – onde esteve, no início de março, a participar no showroom Tranoi (parceiro da Semana da Moda de Paris), com o apoio do Portugal Fashion –, Susana Bettencourt trouxe à passerelle da Alfândega a sua linha outono-inverno’23, onde mais uma vez revelou a forma particularmente inovadora como trabalha as malhas. Seguiu-se a marca DAVII, que se distingue pelas suas criações em tecidos fluidos e seda, desenhadas pelo brasileiro Davi, atualmente com atelier no Porto.
Depois da luxuosa coleção de inverno de Sophia Kah, marca com a assinatura de Ana Teixeira de Sousa, deu-se o regresso de Pedro Pedro à passerelle do evento. A ligação deste designer ao Portugal Fashion remota ao início dos anos 2000, com a marca Pedro Waterland, que criou com Júlio Waterland. Com esta etiqueta, participou inclusivamente na Semana da Moda de Paris em 2006 e 2007, com o apoio do Portugal Fashion. Dez anos mais tarde, em setembro de 2016, fez a sua estreia individual internacional na Semana da Moda Feminina de Milão, também no âmbito do projeto de internacionalização do Portugal Fashion.
O line-up para o dia 18 integrou ainda as propostas de moda sustentável da designer Pé de Chumbo e uma ode ao preto por Miguel Vieira. O criador de S. João da Madeira apresentou a coleção “Black Dinner”, depois de uma passagem, em janeiro último, pela Semana da Moda Masculina de Milão, com o apoio do Portugal Fashion. Neste regresso à sua cor fétiche, o preto, Miguel Vieira revelou um conjunto de «peças de alfaiataria clássica que se conjugam com saias; padrões gráficos ou mais orgânicos em camisas, gravatas e acessórios; e tecidos ricos em texturas ou com tratamentos técnicos».
Silhuetas esguias e geométricas contrastam em camadas, enquanto as linhas são puras e estilizadas e a alfaiataria estruturada. Destaque para os estampados desenvolvidos em atelier e para o forro personalizado. Tudo isto nas cores azul medieval, cinza nuvem e preto caviar, aplicadas em materiais como a lã, a caxemira, a alpaca, os pelos, os tecidos com lurex e os tecidos de camisaria. Nos acessórios, há a realçar as botas em pele, os lenços, as fitas para a cabeça e as alianças em ouro.
Moda no ambiente vintage do Ateneu
O último dia do 50.º Portugal Fashion arrancou no Ateneu Comercial do Porto, edifício com mais de 150 anos que nos transporta para o ambiente vintage da antiga burguesia portuense. Ainda da parte da manhã, Diogo Miranda recriou «a leveza, a singularidade e o romantismo dos anos 70». A silhueta é longa, em camadas e escultural, as cores são vibrantes e sobressaem os drapeados e movimentos delicados. É com esta coleção – que «não é sobre ser sexy ou vanguardista» mas, sim, «sobre vestir bem e sentir-se corajosa e confiante» – que Diogo Miranda assinalou o 15.º aniversário da sua marca.
Seguiu-se, também no Ateneu Comercial do Porto, um happening a cargo da Ernest W. Baker, marca de moda masculina criada pelo norte-americano Reid Baker e pela portuguesa Inês Amorim. O requinte vintage do edifício portuense serve de cenário a uma instalação-vídeo, na qual foram apresentados 21 looks de sofisticada alfaiataria, com cortes clássicos retrabalhados, atenção aos detalhes, materiais de qualidade e cores intemporais, como o bege, o castanho e o camelo, pontuados com vermelho e preto. Inspirada na música eletrónica do compositor soviético Eduard Artemyev, esta instalação-vídeo «visa explorar e enfatizar a ideia de tempo», explicou a dupla luso-americana, que garantiu estar, nesta nova coleção, a «refinar» a sua linguagem estética.
De volta à Alfândega, e após a apresentação do projeto de inclusão social Re(veste), a passerelle do 50.º Portugal Fashion acolheu o desfile coletivo de oito marcas de calçado e acessórios: Ambitious, esc, Felmini, Fly London, J. Reinaldo, Leather Goods by Belcinto, Nobrand e Rufel. A seguir, Nuno Miguel Ramos apresentou uma coleção de moda feminina em tons escuros, na qual se misturam diferentes materiais e texturas, remetendo para os padrões estéticos do início dos anos 2000. Depois, um dos momentos altos de qualquer Portugal Fashion: o desfile de menswear de Hugo Costa, designer com uma consolidada carreira nacional e internacional que parece estar sempre disposto a quebrar fronteiras e ultrapassar limites com as suas coleções.
Outro momento muito esperado foi o desfile de Alexandra Moura, que recentemente participou na Semana da Moda Feminina de Milão, no quadro do projeto de internacionalização do Portugal Fashion. A designer revelou, no Porto, a coleção “Lar Doce Lar”, que procura refletir sobre o significado de “casa” para cada um de nós. Neste sentido, os padrões, prints e tecidos desta coleção outono-inverno invocam o imaginário doméstico, aludindo aos vários elementos que enformam a memorabília de uma casa, sejam cobertores, tapetes, sofás de capitoné, cortinados, almofadas ou até edredões. Uma vez mais a designer explora os contrastes entre clássico e urbano, com a estética streetwear a ser acentuada pelo uso do denim.
O 50.º Portugal Fashion terminou em grande, com os desfiles de um dos maiores designers de calçado do mundo, Luís Onofre, e dos decanos da moda nacional, Manuel Alves e José Manuel Gonçalves. Luxo, requinte e exclusividade em sapatos e marroquinaria para senhora, no caso da coleção de Luís Onofre; sofisticação, streetwear e experimentalismo ao serviço da moda feminina, no caso da coleção de Alves/Gonçalves. Em ambos os casos, criações que engradecem e exaltam as mulheres.