Catarina Mira: “Quem se veste como um quadro, nunca passará despercebido, mesmo na uniformidade dos dias.”
03/06/2022

Catarina Mira: “Quem se veste como um quadro, nunca passará despercebido, mesmo na uniformidade dos dias.”

O objetivo das “Thinking Fashion” é pensar sobre a moda de uma forma transversal. A sua importância, os intervenientes, a busca pela relevância nacional e internacional, até a maneira como é capaz de mudar a vida das pessoas.

Ao longo os próximos tempos, as “Thinking Fashion” surgirão sob a forma de entrevista digital. Uma seleção de pensadores que serão postos à prova. O resultado é o somatório de diversas reflexões e perspetivas sobre a moda, este organismo dinâmico e multidimensional por natureza.

Assim, deixamos a entrevista digital a Catarina Mira, atriz.

As apresentações estão feitas. Agora, é só pensar.

 

1. Não podemos falar de moda sem falar de tendências. Segues alguma?

Acho que a tendência a que me rendi e que já há algum tempo faz parte do meu dia-a-dia, é a do oversized. Sinto que com a minha estrutura física esse tipo de proporções me ficam melhor.

 

2. O sucesso na moda vem do trabalho, da sorte, ou de alguma conjugação de fatores tipo one in a million?

Acho que o sucesso, seja em que área for, não acontece de um dia para o outro, mesmo quando parece que sim. O Jeff Bezos faz muita coisa errada mas também diz uma frase que tem muita verdade: “All overnight success takes about 10 years”. Na minha opinião, a consistência é o que faz o sucesso.

 

3. Para verem o seu trabalho reconhecido, os designers precisam da imaterialidade dos conselhos ou de pessoas que comprem a sua roupa?

Precisam de vendas mas também de um conjunto de outros elementos como presença na imprensa e nas redes sociais. Não há como fugir à importância que os media têm no reconhecimento de um designer.

 

4. Há quem diga que a moda é uma forma de arte. Mas há quem defenda que é uma arte menor. Será o quotidiano inimigo da contemplação?

Talvez. O vestir é uma necessidade mas o adornar é uma arte. A moda não é uma necessidade, é uma pintura. Quem se veste como um quadro, nunca passará despercebido mesmo na uniformidade dos dias.

 

5. Porque é que alguns designers portugueses têm tanta dificuldade em viver da sua profissão principal?

Porque a moda, quando não é criada em massa, é cara, logo torna-se inacessível para a maioria do público. Infelizmente a nossa escala é muito pequenina, é difícil produzir em quantidades grandes para apresentar valores mais competitivos.

 

6. De que forma é que a indústria pode aproximar-se da moda de autor? Ou o caminho deve ser feito ao contrário?

Acho que em termos comerciais tem de haver uma sinergia dos dois para a coisa resultar como negócio. A moda de autor desbrava caminho, desafia mentes, é curiosa e corajosa. A indústria tem como papel semear essas ideias em peças que também se encaixem no nosso dia-a-dia.

 

7. Se juntares cinco ou seis peças de uma loja de fast fashion consegues comprar uma peça de alguns designers portugueses, que tem mais qualidade e é muitas vezes única. Há pudor, preguiça ou falta de interesse em comprar português?

Erradamente, a cultura de comprar algo para usar uma vez e descartar em seguida em vez de investir em peças para a vida está muito presente nos dias de hoje. As pessoas compram por impulso, a valores que, à priori, não pesam tanto na carteira. A maturidade de investir numa peça de moda é algo que temos que educar a nossa sociedade a ter. Ou a voltar a ter. Na geração dos meus pais as coisas eram muito mais estimadas do que hoje em dia.

 

8. A sustentabilidade mudou o paradigma da moda?

Mudou. Acho que não se começa uma marca hoje em dia sem pensar no impacto que a mesma terá no mundo. Infelizmente também se vê a sustentabilidade ainda a ser usada como green marketing, sem que necessariamente seja um valor presente em todos os setores da marca. No entanto, tenho consciência de que o conceito “sustentabilidade” é muito complexo e que é muito difícil cumprir essa missão a 100%. Mas esse é o caminho.

 

9. Muitas pessoas querem ir aos eventos de moda em Portugal. 95% dessas mesmas pessoas nunca compraram moda portuguesa. Qual será o interesse, então?

Talvez seja interessante beber da inspiração e do glamour tão característicos dos eventos de moda. É pena que o público seja maioritariamente observador e não comprador.

 

10. Ainda faz sentido haver Semanas da Moda no formato tradicional?

Acho que é um formato em metamorfose, mas eu espero que os desfiles nunca deixem de acontecer. Apesar de curtos, são verdadeiros espectáculos e refletem o trabalho de dezenas de pessoas. A sensação que se tem quando baixam as luzes e a música invade a sala é inigualável.

 

11. Por culpa de uma pandemia houve um crescimento do digital. Era preciso as lojas físicas terem fechado para se apostar nas lojas online?

Sim, a pandemia acelerou o inevitável. Já há anos que só faço compras on-line. Na verdade acho o processo tradicional de fazer compras bem stressante quando se trata de visitar centros comerciais. No mercado luxuoso a experiência tende a ser mais agradável, no entanto pode ser bastante intimidante também.

 

12. Como é que se consegue pensar a moda em Portugal?

Tem que se pensar para além fronteiras e apostar talvez em agências de PR que ajudem a moda portuguesa ir para além do mercado português. Somos uma país pequenino e sem muito poder de compra, mas o mundo não tem fronteiras hoje em dia com as oportunidades que o on-line criou.

 

13. Haverá uma “cultura de alienamento” propositada em relação ao que são as conquistas dos designers portugueses no estrangeiro?

Pensei que essas conquistas fossem bastante celebradas. Provavelmente o meu interesse pela moda seja a razão pela qual essas coisas não me passam despercebidas. Pena.

CATARINA MIRA

CATARINA MIRA

Actress
Portugal
PT