Patrícia Barnabé: “PJ Harvey, que estudou moda na Central Saint Martin’s, dizia que a moda é a arte que trazemos connosco todos os dias. Eu pertenço a esse team.”
29/04/2022

Patrícia Barnabé: “PJ Harvey, que estudou moda na Central Saint Martin’s, dizia que a moda é a arte que trazemos connosco todos os dias. Eu pertenço a esse team.”

O objetivo das “Thinking Fashion” é pensar sobre a moda de uma forma transversal. A sua importância, os intervenientes, a busca pela relevância nacional e internacional, até a maneira como é capaz de mudar a vida das pessoas.

Ao longo os próximos tempos, as “Thinking Fashion” surgirão sob a forma de entrevista digital. Uma seleção de pensadores que serão postos à prova. O resultado é o somatório de diversas reflexões e perspetivas sobre a moda, este organismo dinâmico e multidimensional por natureza.

Assim, deixamos a primeira entrevista digital a Patrícia Barnabé, jornalista.

As apresentações estão feitas. Agora, é só pensar.

 

1. Não podemos falar de moda sem falar de tendências. Segues alguma?

Nunca segui muito tendências, embora sempre tivesse gostado de dissecá-las como jornalista. Se posso dizer que sigo alguma é a sustentabilidade: comprar menos e melhor e escolher de onde vem o que visto. Espero mesmo que, em breve, se possa fazer o tracking de cada peça, para ser uma indústria mais limpa e justa, tanto quanto é bela e sedutora.

 

2. O sucesso na moda vem do trabalho, da sorte, ou de alguma conjugação de fatores tipo one in a million?

Diria que vem de um conjunto de factores, sendo o principal deles o trabalho que, quando se cruza com o talento, é irresistível. É o que faz a magia acontecer, porque uma boa parte do talento para a moda não se aprende em lado nenhum, é insgtinto, sensibilidade, proporção, bom senso e mundo. A sorte é sempre aquele ingrediente fascinante: estar no sitio certo à hora certa ou conhecer a pessoa certa. Mesmo para uma modelo, cuja beleza é um atributo natural, a sorte é fundamental – alguém se cruzar com a sua beleza na rua e chamá-la. Em qualquer caso, e mesmo com a sua democratização, acredito que fazer moda, como em todas as artes, não é para quem quer, mas para quem pode.

 

3. Para verem o seu trabalho reconhecido, os designers precisam da imaterialidade dos conselhos ou de pessoas que comprem a sua roupa?

Dos dois. Não há quem não precise de conselhos, ainda mais quando se trabalha para o mundo, para um público, e numa indústria particular, cheia de códigos e de vícios, como a moda. Os conselhos nunca são de mais, mas é claro que se devem ouvir todos e depois deitá-los fora e fazer só o que dá na gana, mas encontram-se sempre pérolas de sabedoria pelo caminho. E é claro que um designer se não tiver quem o compre, não vive da sua arte, o que é sempre mais duro, ainda que comece sempre assim, é um salto no abismo, mas pode sempre voar e com uma vista extraordinária. Eu acredito que se começa sempre a falar sozinho até se começarem a juntar pessoas. Um designer que toque as pessoas terá um dia o seu lugar.

 

4. Há quem diga que a moda é uma forma de arte. Mas há quem defenda que é uma arte menor. Será o quotidiano inimigo da contemplação?

Sempre considerei a moda uma arte, e penso que ainda que seja interessante esse debate, é uma evidência. As artes decorativas serão menos arte? Acho que já ninguém duvida, como já ninguém duvida que a fotografia ou video não são menores do que a pintura e a escultura. O quotidiano proporciona um tipo de contemplação diferente, mais efémero, esquivo, por vezes mais superficial, mas nem por isso menor e igualmente prazerosa, interessante, desafiante. PJ Harvey, que estudou moda na Central Saint Martin’s, dizia que a moda é a arte que trazemos connosco todos os dias. Eu pertenço a esse team. Num tempo sem tempo para nada parece-me que a moda nunca esteve no seu melhor elemento.

 

5. Porque é que alguns designers portugueses têm tanta dificuldade em viver da sua profissão principal?

Porque a ligação entre a criação e a indústria ainda não é a ideal, até pelo volume de produção, e porque o publico português, que é muito jovem em cultura de moda, investe pouco nos seus designers, como em quase tudo o que é seu. Mas isso está a mudar, creio, ou acredito. Depois, porque são artistas, não conheço nenhum artista que viva desaforamento da sua arte até chegar o reconhecimento, é das mais duras e admiráveis tarefas. Admiro profundamente os artistas, porque são eles que nos salvam a todos.

 

6. De que forma é que a indústria pode aproximar-se da moda de autor? Ou o caminho deve ser feito ao contrário?

Se a industria tem os meios, deve ser ela a abraçar os criadores. E o Estado também deveria apoiar ambos para que essa relação seja mais sustentada financeiramente, para que a indústria não se sinta a fazer um favor, por assim dizer. Sei de muitas colecções que nunca viram a luz do sol porque nenhuma fábrica quis produzir, porque não era rentável. Talvez seja a altura de, de vez em quando, o lucro não ser a única coisa que nos move. Parece que o mundo está a precisar de outras coisas. Apoiar um ou outro criador até ao patamar em que este possa multiplicar o seu trabalho deveria ser um drive natural dos que dizem amar o têxtil e a moda.

 

7. Se juntares cinco ou seis peças de uma loja de fast fashion consegues comprar uma peça de alguns designers portugueses, que tem mais qualidade e é muitas vezes única. Há pudor, preguiça ou falta de interesse em comprar português?

Um pouco disso tudo. Mas creio ser mais a preguiça e o preço, Portugal ainda é um país de remediados, e não tem melhorado nos últimos anos. A maioria das pessoas, e também por não ter essa cultura de moda, prefere ter mais variedade de peças, do que uma incrível. E isso é verdade para muitas outras realidades, das férias ao consumo cultural, as pessoas preferem carros e telemóveis, o que diz muito. Mas também não há mais interesse, quanto a mim, porque não há uma proximidade real dos criadores ao público. A moda sempre foi afastada das pessoas comuns, para o bem e para o mal. Está a democratizar-se mais, mas ainda falta muito trabalho – onde estão as várias lojas multimarcas portuguesas nos bairros e grandes artérias de compras?

 

8. A sustentabilidade mudou o paradigma da moda?

Eu acho que sim, e ainda bem, mas ainda está tudo por fazer… Mal posso esperar pela revolução : )

 

9. Muitas pessoas querem ir aos eventos de moda em Portugal. 95% dessas mesmas pessoas nunca compraram moda portuguesa. Qual será o interesse, então?

Verem e serem vistos, aparecer, fazer de conta que pertencem àquele mundo de gente bonita e de bem com a vida. A vaidade social e a celebridade, que é o lado mais desinteressante da moda, mas é onde as massas querem estar. E nunca foi tão forte essa cultura da superficialidade como na era internet. Uma pena, os desfiles são uma celebração do talento e da beleza, seria uma pena que fossem substituídos por vídeos e perdessem o seu mistério.

 

10. Ainda faz sentido haver Semanas da Moda no formato tradicional?

Eu acho que sim, mas eu sou old school, acho que o encontro dos designers e os players da indústria durante as semanas de moda é muito saudável e edificante para a própria moda até como setor económico e social de um país. Cada designer pode apresentar à sua maneira? Claro, mas a plataforma que uma semana de moda dá, o lugar de partilha, é único, quanto a mim. É como ver teatro ou dança ao vivo, não há nada que o substitua.

 

11. Por culpa de uma pandemia houve um crescimento do digital. Era preciso as lojas físicas terem fechado para se apostar nas lojas online?

Se calhar era, mas eu sou a pior pessoa para falar de lojas digitais, porque gosto da fiscalidade da vida, em todos os aspectos. E das poucas vezes que comprei online não fui muito feliz, mas também pode ser falta de jeito. Agora que é prático, é, mas eu gosto mesmo dos rituais, acaba com eles é retirar metade do prazer. De qualquer forma a pandemia atirou tudo para dentro dos écrans com uma grande rapidez, vamos ver no que vai dar, até porque se esqueceu que a maioria do mundo não nasceu depois dos anos 80.

 

12. Como é que se consegue pensar a moda em Portugal?

Pode pensar-se moda em qualquer lugar do mundo onde haja vontade, amor pelas coisas e pessoas com quem trocar cromos. Em Portugal é tudo mais difícil do que noutros países com mais anos de história de moda? Claro que é, mas isso é verdade para muitas áreas, somos  uma país pequeno e periférico, ainda assim europeu. Mas acredito que há sempre como fazer desde que haja peito aberto e mangas arregaçadas, sou uma romântica.

Por outro lado, nunca Portugal esteve tanto na moda, estamos mais cosmopolitas, aqui já se falam muitas línguas diferentes, a moda portuguesa pode aproveitar para apanhar este comboio onde há pessoas com bom gosto e dinheiro para gastar.

 

13. Haverá uma “cultura de alienamento” propositada em relação ao que são as conquistas dos designers portugueses no estrangeiro?

Não acho que seja propositado, somos apenas uma país com pouca cultura de moda, mas isso tende a mudar com as novas gerações, que já têm muito mais mundo e gosto e sentido crítico. Não creio que o grande pública saiba de outros achievements nacionais, na área da ciência ou das empresas unicórnio, por exemplo. Por isso é tão importante o trabalho da comunicação, seja pela via da imprensa, que vai rareando com qualidade, como sabemos, mas também por outras vias que cheguem a cada vez mais pessoas. Os designers portugueses deviam estar mais expostos, vestir artistas, vestir passadeiras vermelhas, e muito mais.

PATRÍCIA BARNABÉ

PATRÍCIA BARNABÉ

Journalist
Portugal
PT