
O objetivo das “Thinking Fashion” é pensar sobre a moda de uma forma transversal. A sua importância, os intervenientes, a busca pela relevância nacional e internacional, até a maneira como é capaz de mudar a vida das pessoas.
Ao longo os próximos tempos, as “Thinking Fashion” surgirão sob a forma de entrevista digital. Uma seleção de pensadores que serão postos à prova. O resultado é o somatório de diversas reflexões e perspetivas sobre a moda, este organismo dinâmico e multidimensional por natureza.
Assim, deixamos a primeira entrevista digital a Patrícia Barnabé, jornalista.
As apresentações estão feitas. Agora, é só pensar.
Nunca segui muito tendências, embora sempre tivesse gostado de dissecá-las como jornalista. Se posso dizer que sigo alguma é a sustentabilidade: comprar menos e melhor e escolher de onde vem o que visto. Espero mesmo que, em breve, se possa fazer o tracking de cada peça, para ser uma indústria mais limpa e justa, tanto quanto é bela e sedutora.
Diria que vem de um conjunto de factores, sendo o principal deles o trabalho que, quando se cruza com o talento, é irresistível. É o que faz a magia acontecer, porque uma boa parte do talento para a moda não se aprende em lado nenhum, é insgtinto, sensibilidade, proporção, bom senso e mundo. A sorte é sempre aquele ingrediente fascinante: estar no sitio certo à hora certa ou conhecer a pessoa certa. Mesmo para uma modelo, cuja beleza é um atributo natural, a sorte é fundamental – alguém se cruzar com a sua beleza na rua e chamá-la. Em qualquer caso, e mesmo com a sua democratização, acredito que fazer moda, como em todas as artes, não é para quem quer, mas para quem pode.
Dos dois. Não há quem não precise de conselhos, ainda mais quando se trabalha para o mundo, para um público, e numa indústria particular, cheia de códigos e de vícios, como a moda. Os conselhos nunca são de mais, mas é claro que se devem ouvir todos e depois deitá-los fora e fazer só o que dá na gana, mas encontram-se sempre pérolas de sabedoria pelo caminho. E é claro que um designer se não tiver quem o compre, não vive da sua arte, o que é sempre mais duro, ainda que comece sempre assim, é um salto no abismo, mas pode sempre voar e com uma vista extraordinária. Eu acredito que se começa sempre a falar sozinho até se começarem a juntar pessoas. Um designer que toque as pessoas terá um dia o seu lugar.
Sempre considerei a moda uma arte, e penso que ainda que seja interessante esse debate, é uma evidência. As artes decorativas serão menos arte? Acho que já ninguém duvida, como já ninguém duvida que a fotografia ou video não são menores do que a pintura e a escultura. O quotidiano proporciona um tipo de contemplação diferente, mais efémero, esquivo, por vezes mais superficial, mas nem por isso menor e igualmente prazerosa, interessante, desafiante. PJ Harvey, que estudou moda na Central Saint Martin’s, dizia que a moda é a arte que trazemos connosco todos os dias. Eu pertenço a esse team. Num tempo sem tempo para nada parece-me que a moda nunca esteve no seu melhor elemento.
Porque a ligação entre a criação e a indústria ainda não é a ideal, até pelo volume de produção, e porque o publico português, que é muito jovem em cultura de moda, investe pouco nos seus designers, como em quase tudo o que é seu. Mas isso está a mudar, creio, ou acredito. Depois, porque são artistas, não conheço nenhum artista que viva desaforamento da sua arte até chegar o reconhecimento, é das mais duras e admiráveis tarefas. Admiro profundamente os artistas, porque são eles que nos salvam a todos.
Se a industria tem os meios, deve ser ela a abraçar os criadores. E o Estado também deveria apoiar ambos para que essa relação seja mais sustentada financeiramente, para que a indústria não se sinta a fazer um favor, por assim dizer. Sei de muitas colecções que nunca viram a luz do sol porque nenhuma fábrica quis produzir, porque não era rentável. Talvez seja a altura de, de vez em quando, o lucro não ser a única coisa que nos move. Parece que o mundo está a precisar de outras coisas. Apoiar um ou outro criador até ao patamar em que este possa multiplicar o seu trabalho deveria ser um drive natural dos que dizem amar o têxtil e a moda.
Um pouco disso tudo. Mas creio ser mais a preguiça e o preço, Portugal ainda é um país de remediados, e não tem melhorado nos últimos anos. A maioria das pessoas, e também por não ter essa cultura de moda, prefere ter mais variedade de peças, do que uma incrível. E isso é verdade para muitas outras realidades, das férias ao consumo cultural, as pessoas preferem carros e telemóveis, o que diz muito. Mas também não há mais interesse, quanto a mim, porque não há uma proximidade real dos criadores ao público. A moda sempre foi afastada das pessoas comuns, para o bem e para o mal. Está a democratizar-se mais, mas ainda falta muito trabalho – onde estão as várias lojas multimarcas portuguesas nos bairros e grandes artérias de compras?
Eu acho que sim, e ainda bem, mas ainda está tudo por fazer… Mal posso esperar pela revolução : )
Verem e serem vistos, aparecer, fazer de conta que pertencem àquele mundo de gente bonita e de bem com a vida. A vaidade social e a celebridade, que é o lado mais desinteressante da moda, mas é onde as massas querem estar. E nunca foi tão forte essa cultura da superficialidade como na era internet. Uma pena, os desfiles são uma celebração do talento e da beleza, seria uma pena que fossem substituídos por vídeos e perdessem o seu mistério.
Eu acho que sim, mas eu sou old school, acho que o encontro dos designers e os players da indústria durante as semanas de moda é muito saudável e edificante para a própria moda até como setor económico e social de um país. Cada designer pode apresentar à sua maneira? Claro, mas a plataforma que uma semana de moda dá, o lugar de partilha, é único, quanto a mim. É como ver teatro ou dança ao vivo, não há nada que o substitua.
Se calhar era, mas eu sou a pior pessoa para falar de lojas digitais, porque gosto da fiscalidade da vida, em todos os aspectos. E das poucas vezes que comprei online não fui muito feliz, mas também pode ser falta de jeito. Agora que é prático, é, mas eu gosto mesmo dos rituais, acaba com eles é retirar metade do prazer. De qualquer forma a pandemia atirou tudo para dentro dos écrans com uma grande rapidez, vamos ver no que vai dar, até porque se esqueceu que a maioria do mundo não nasceu depois dos anos 80.
Pode pensar-se moda em qualquer lugar do mundo onde haja vontade, amor pelas coisas e pessoas com quem trocar cromos. Em Portugal é tudo mais difícil do que noutros países com mais anos de história de moda? Claro que é, mas isso é verdade para muitas áreas, somos uma país pequeno e periférico, ainda assim europeu. Mas acredito que há sempre como fazer desde que haja peito aberto e mangas arregaçadas, sou uma romântica.
Por outro lado, nunca Portugal esteve tanto na moda, estamos mais cosmopolitas, aqui já se falam muitas línguas diferentes, a moda portuguesa pode aproveitar para apanhar este comboio onde há pessoas com bom gosto e dinheiro para gastar.
Não acho que seja propositado, somos apenas uma país com pouca cultura de moda, mas isso tende a mudar com as novas gerações, que já têm muito mais mundo e gosto e sentido crítico. Não creio que o grande pública saiba de outros achievements nacionais, na área da ciência ou das empresas unicórnio, por exemplo. Por isso é tão importante o trabalho da comunicação, seja pela via da imprensa, que vai rareando com qualidade, como sabemos, mas também por outras vias que cheguem a cada vez mais pessoas. Os designers portugueses deviam estar mais expostos, vestir artistas, vestir passadeiras vermelhas, e muito mais.