Renato Duarte: “A indústria não deve colocar de lado o rasgo, risco e a criatividade, sob pena de educar um mercado pouco diferenciado na oferta.”
20/05/2022

Renato Duarte: “A indústria não deve colocar de lado o rasgo, risco e a criatividade, sob pena de educar um mercado pouco diferenciado na oferta.”

O objetivo das “Thinking Fashion” é pensar sobre a moda de uma forma transversal. A sua importância, os intervenientes, a busca pela relevância nacional e internacional, até a maneira como é capaz de mudar a vida das pessoas.

Ao longo os próximos tempos, as “Thinking Fashion” surgirão sob a forma de entrevista digital. Uma seleção de pensadores que serão postos à prova. O resultado é o somatório de diversas reflexões e perspetivas sobre a moda, este organismo dinâmico e multidimensional por natureza.

Assim, deixamos a entrevista digital a Renato Duarte, locutor de rádio.

As apresentações estão feitas. Agora, é só pensar.

 

1. Não podemos falar de moda sem falar de tendências. Segues alguma?

Não de forma consciente, no sentido em que não estou particularmente atento às tendências do momento nem condiciono as minhas escolhas ao que se usa em cada estação, mas é possível que haja uma influência que não é consciente ou completamente perceptível. Talvez as tendências me inspirem, mas não consigo enumerar nenhuma em particular.

 

2. O sucesso na moda vem do trabalho, da sorte, ou de alguma conjugação de fatores tipo one in a million?

Rasgo, estratégia, networking, tudo isto conta e tudo isto dá muito trabalho.

 

3. Para verem o seu trabalho reconhecido, os designers precisam da imaterialidade dos conselhos ou de pessoas que comprem a sua roupa?

Precisam de vender roupa, sim. Se medimos o sucesso e reconhecimento com base na capacidade de fazer chegar o trabalho desenvolvido a um grande número de pessoas, então as vendas têm de ser um dos indicadores principais para medir a pertinência de uma coleção.

 

4. Há quem diga que a moda é uma forma de arte. Mas há quem defenda que é uma arte menor. Será o quotidiano inimigo da contemplação?

Eu diria que o facto de ser uma forma de arte que está tão integrada no nosso quotidiano só contribui para a sua elevação. Os desafios criativos que esta circunstância coloca aos designers têm sido trabalhados de formas extraordinárias, ao longos dos tempos.

 

5. Porque é que alguns designers portugueses têm tanta dificuldade em viver da sua profissão principal?

Existem questões que são transversais a outras indústrias, como a escala, a dificuldade em criar marcas fortes e relevantes e a fraca literacia artística e cultural do país, que não nos permite valorizar adequadamente as peças que tão bem são pensadas e produzidas em Portugal. Temos know how, saber fazer e muita qualidade, que aliás é reconhecida pelas grandes marcas de moda internacionais, mas depois não conseguimos criar uma identidade suficientemente forte para cativar um grande número de pessoas e alimentar, de facto, uma indústria, que permitiria a profissionalização de mais e mais criadores.

 

6. De que forma é que a indústria pode aproximar-se da moda de autor? Ou o caminho deve ser feito ao contrário?

Não sendo especialista, parece-me que o caminho pode e deve ser feito nos dois sentidos. A indústria não deve colocar de lado o rasgo, risco e a criatividade, sob pena de educar um mercado pouco diferenciado na oferta. A moda de autor tem a ganhar se conseguir pensar na relevância que pode ter num mercado altamente competitivo, sem perder a sua identidade de base.

 

7. Se juntares cinco ou seis peças de uma loja de fast fashion consegues comprar uma peça de alguns designers portugueses, que tem mais qualidade e é muitas vezes única. Há pudor, preguiça ou falta de interesse em comprar português?

Como disse em cima e sem querer complicar demasiado, acho que é uma questão de educação. Fracos hábitos culturais não permitem entender o aspecto único e altamente diferenciado de uma peça de roupa de autor, não reconhecendo esse valor, torna-se difícil aceitar uma lógica de preços justos e criar hábitos de consumo que consigam ir ao encontro das necessidades desta indústria.

 

8. A sustentabilidade mudou o paradigma da moda?

Eu creio que há uma mudança em curso que passa por opções de consumo mais conscientes. Torna-se cada vez mais difícil não reconhecer que a moda é uma das indústrias mais poluentes, que isso tem de ser olhado e que temos todos de agir sobre isso.

 

9. Muitas pessoas querem ir aos eventos de moda em Portugal. 95% dessas mesmas pessoas nunca compraram moda portuguesa. Qual será o interesse, então?

Ver e ser visto. Nada além disso. Fazer parte de um momento a que reconhecem um certo prestígio social, sem que haja esforço efectivo de entender exactamente o que está ali a ser mostrado e celebrado e a importância que pode ter para os criadores e para o país.

 

10. Ainda faz sentido haver Semanas da Moda no formato tradicional?

As semanas de moda têm sofrido alterações que a pandemia acelerou. Seria algo autista achar que o formato das semanas de moda não deve evoluir com os tempos, a sociedade e a forma como as pessoas consomem e acedem aos produtos de moda.

 

11. Por culpa de uma pandemia houve um crescimento do digital. Era preciso as lojas físicas terem fechado para se apostar nas lojas online?

Não tenho dados, mas creio que as lojas online cresceram em vendas no contexto pandémico. A experiência de venda online está longe, a meu ver, de substituir as lojas físicas, não desejo nem prevejo que isso aconteça.

 

12. Como é que se consegue pensar a moda em Portugal?

Para pensar moda em Portugal é essencial estar atento à extraordinária capacidade criativa dos designers que têm surgido nos últimos anos. Acho que se nos dermos ao trabalho de entender as motivações, o rasgo e a qualidade do que se tem feito no nosso país, não é assim tão difícil estar otimista e definir uma estratégia para a moda nacional.

 

13. Haverá uma “cultura de alienamento” propositada em relação ao que são as conquistas dos designers portugueses no estrangeiro?

A afirmação dos criadores portugueses lá fora é de extrema importância, faz parte da estratégia de promoção da moda nacional e deve ser intensificada, de forma consistente e inteligente. No entanto, confesso que me parece mais urgente e essencial, para já, trabalhar a percepção que temos cá dentro do trabalho dos nossos criadores.

RENATO DUARTE

RENATO DUARTE

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