
O objetivo das “Thinking Fashion” é pensar sobre a moda de uma forma transversal. A sua importância, os intervenientes, a busca pela relevância nacional e internacional, até a maneira como é capaz de mudar a vida das pessoas.
Ao longo os próximos tempos, as “Thinking Fashion” surgirão sob a forma de entrevista digital. Uma seleção de pensadores que serão postos à prova. O resultado é o somatório de diversas reflexões e perspetivas sobre a moda, este organismo dinâmico e multidimensional por natureza.
Assim, deixamos a entrevista digital a Tiago Manaïa, jornalista.
As apresentações estão feitas. Agora, é só pensar.
Sigo sempre o trabalho do realizador de documentários francês Loic Prigent, para mim é obrigatório. Nas suas reportagens tanto pode entrevistar a costureira que vive fechada num atelier sem ver a luz do dia, como a estrela da primeira fila que os flashes iluminam – têm o mesmo tempo de antena. Há algo de humano (e muitas vezes desumano) nas dezenas de desfiles que ele cobre durante as semanas de moda. Apanha tudo… A tensão que invade as ruas das cidades e os dramas de bastidores de pequenas e grandes marcas. Parece-me que o trabalho do Loic fala do estado do mundo através da moda…. e no meio disso percebes que tendências podes seguir ou não.
Fiz-lhe uma entrevista para a Vogue portuguesa em 2010, na altura ele já chamava à atenção para a voragem das grandes marcas. Começavam a exigir um ritmo de trabalho alucinante aos criadores, anunciavam o medo do vazio, como se a criação estivesse prestes a esgotar-se, muitos designers tentavam renovar-se através de inúmeras linhas e desfiles que se intercalavam de dois em dois meses, às vezes menos (coleções de homem, croisière, prêt-a-porter, couture…). O Alexander McQueen tinha acabado de se suicidar quando o entrevistei… Ele alertava para essa pressão que o capitalismo estava a impor à criação.
O que é o sucesso? É uma palavra que me intriga há décadas. Penso que o mais importante é um designer não comprometer os valores da marca que construiu ainda que esta cresça de forma alucinante. Há relatos de marcas com criadores queer que ao começar a vender para países homofóbicos (como a China) vão ao ponto de camuflar aquilo que fez o ADN da marca deles…
Ainda assim, e tentando responder à pergunta, acredito no talento e nos encontros que podem ajudar a que esse talento seja potenciado. Lembro-me do que a Carine Roitfeld fez ao Tom Ford na Gucci, ou a Irene Silvagni (ex diretora da Vogue Paris) que deu um boost na criação do Yamamoto. Cá em Portugal nos anos 80, lembro-me do Manel Reis e da relação que tinha com a Manuela Gonçalves…. Nos desfiles que faziam no Frágil.
Podes ter sucesso e apresentar para um minimercado, seres reconhecido nesse circuito e arranjar sustento a criar figurinos para espetáculos por exemplo… O sucesso pode ser muitas coisas. Uma amiga escritora costuma dizer que a fama não tem sabor ou cheiro por isso é uma ilusão.
Acho que começo a responder a isto na pergunta anterior. O reconhecimento não chega sempre com o lucro. Há muitas formas de criar e fazer moda. Podes criar um diálogo com uma pequena comunidade e marcar uma época, uma cidade, um bairro.
Só acredito num quotidiano vivido com arte. Quando vejo marcas como a Supreme usar fotografias da Nan Goldin nas T-shirts deles encontro uma vontade de contemplação.
Os desenhos do artista Keith Haring são reproduzidos há anos por gigantescas marcas de fast fashion (e não só), suportam assim a fundação dele que luta desde 1990 (data em que Keith morreu) para encontrar soluções e prevenção relativamente ao HIV.
É difícil viver num país onde a cultura e as artes ou ofícios são tão maltratados. Deveria começar na educação, as crianças deveriam ser instigadas a criar, e sobretudo não deveria acontecer nos grandes centros só… A quantidade de pessoas que vivem em zonas remotas e nunca têm acesso a uma possibilidade de criação é assustadora…Não têm mesmo acesso à cultura.
Os telejornais e a informação deveriam falar de cultura como falam de futebol…
Não creio que exista um só caminho. Acho injusto quando a indústria vai roubar conceitos de criação à moda de autor…
Se um projeto for realmente coerente pode cumprir os seus objetivos sem copiar ou passar por cima daquilo que sabemos serem valores humanos de base. A indústria tem de ser criativa, apostar em equipas que o façam com originalidade, têm meios para isso.
Os autores são poetas, têm de ser protegidos.
Há problemas de distribuição ainda… As coisas mudaram com o online mas continua a ser para um nicho.
Fala-se cada vez mais de marcas portuguesas, sinto que nesse sentido as coisas podem estar a mudar. Mesmo neste fluxo turístico que invadiu as grandes cidades de Portugal, sentes que o viajante mais educado vem à procura do que é original e quer comprar local.
Diria que a indústria se apoderou de alguns códigos, tenta comunicar uma consciência que no caso de alguns gigantes nunca fará sentido. O paradigma da moda poderá mudar quando se deixar de branquear o discurso. Os meios de comunicação também têm responsabilidade nisto.
Tudo pode começar numa boa festa ou num evento. Vamos pensar que pode ser o rastilho para algo mais profundo.
O Andy Warhol já dizia que a melhor festa é aquela para a qual não foste convidado… Portanto, festas ou eventos com poucos convites… O buzz tem de começar de alguma maneira.
Quero acreditar que sim. Assim como os festivais de cinema. Nas semanas de moda há uma quantidade de informação entre profissionais que se cruza… E a energia de estar num sítio concreto é insubstituível, sentir a sala de um desfile ao vivo não é igual a ver um desfile online… os olhares, as hierarquias, e até mesmo as situações que são estranhas socialmente dão uma agitação ao espaço.
Eu nunca comprei roupa online. Sou baixinho, é difícil perceber o que me vai ficar bem ou não… a ideia de receber algo que terei de enviar para trás aborrece-me profundamente. Para mim comprar roupa é estar numa loja, falar com a pessoa que vende, sentir o espaço.
A informação agora é global… Mesmo assim, na altura em que só haviam revistas e não existia internet, já tinhas pensamento a querer surgir cá. O governo ainda não tinha investido em plataformas como semanas de modas… Não tinhas escolas…. Conseguimos pensar moda se houver um esforço feito nesse sentido… Isso vem de cima, do governo.
É um misto…Por um lado fala-se dos criadores que vingam lá fora e ao mesmo tempo há uma espécie de distanciamento… Isso está a mudar, vamos acreditar que sim. Tudo é valido, todos os caminhos são possíveis.